sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Vestibular UFC 2009 - Prova de Língua Portuguesa e Literatura

Prova de Língua Portuguesa e Literatura – Vestibular UFC 2009
Comentada por Profª Tetê Macambira – tmacambira@hotmail.com

Machado de Assis pertence ao grupo dos que, conforme o eu lírico camoniano, “por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. Linhares Filho celebra-o no poema “A Machado de Assis, morto vivo”, que embasará esta prova. Convidamos você a viajar no universo poético de Notícias de bordo. Nessa viagem, Linhares Filho é o capitão; Machado de Assis, o homenageado; você, o nosso convidado de
honra. O destino? A Universidade Federal do Ceará.

A MACHADO DE ASSIS,
MORTO VIVO


01 De que maneira a fundo iremos conhecer-te, 33 embora cada um de nós manobre
02 se muita vez estás noutro lugar, 34 bem a seu modo o timão,
03 mil cabriolas a dar 35 para o leitor abriste uma Escola de Sagres,
04 com a manipulação frequente de um falar 36 onde muito se pode observar,
05 e dois entenderes? 37 dos olhos de ressaca em tua Capitu
06 O que propões, porém, vamos tateando, 38 até os confins da Europa no seu corpo,
07 e o teu pungente riso saboreando. 39 que por Bentinho, enfim, é rejeitado.
08 Algo fica, afinal, de tuas reticências –, 40 Fizeste de Escobar o próprio rio Cobar,
09 mesmo sem se atingir total a tua essência 41 para em Ezequiel, homônimo do bíblico,
10 e não obstante a previsão de Cubas –, 42 denunciar-se por fumos todo um fogo,
11 também nas duas tais colunas da opinião, 43 a culpa intencional da sedução de um mar...
12 não só numa terceira, a dos agudos, 44 E fizeste surgir a dúvida no ar.
13 e assim o teu discurso não é vão.
14 De além dos vermes que roeram 45 Ora com humour, ora com ironia,
15 as tuas frias carnes 46 contra Leibniz puseste Schopenhauer.
16 sem deixar boca para rir 47 De Laurence Sterne filtraste a sátira menipeia.
17 nem olhos para chorar, 48 E o vulnerável, mestre, apanhas com mão fria.
18 escuta-me com a alma que restou 49 Sobressai-te um vigor: a sensual latência,
19 do teu grande naufrágio 50 quase sempre consciente e deletéria,
20 (longe do feroz ágio e do pedágio). 51 qual sangue a latejar por dentro de uma artéria.
21 Aqui estou para dizer-te o quanto 52 Evidenciando aqui, ali insinuando,
22 ainda te ouvimos, lemos e te amamos. 53 soubeste registrar o desconforto,
23 Ensinaste-nos que há sempre 54 o descontentamento e a frustração
24 uma gota da baba de Caim, 55 da nossa humana condição
25 tanto a vontade como a ação umedecendo 56 desde o emplasto de Brás Cubas
26 de indivíduos, de classes ou de tribos. 57 à solda da opinião.
27 Que por batatas uns aos outros se consomem. 58 E aqui ficamos tristes e inquietos
28 (Quantos, qual tu sem Deus, acham que a morte é o fim!) 59 com as mil formas de ser da humana Dor.
29 Joaquim Maria, as tuas esquivanças, 60 Muito amor ainda falta e pão. Faltam mais tetos,
30 silêncios e trejeitos e artimanhas 61 a paz pública falta e a paz interior.
31 deram-nos luz para a experiência do homem. 62 Sentimo-nos pequenos e incompletos.
32 E, quanto a nado, mar, navegação,
LINHARES FILHO, José. A Machado de Assis, morto vivo. In: _____________.
Notícias de bordo: poemas selecionados. Fortaleza: Edições UFC, 2008, p. 91-93.

01. Além de a Machado de Assis, em Notícias de bordo, Linhares Filho presta homenagem a outros mestres
da Literatura de Língua Portuguesa. A seguir, você dispõe de versos de alguns poemas dessa obra.
Associe corretamente os versos transcritos na segunda coluna ao autor homenageado.

(1) Carlos Drummond de Andrade
(2) Miguel Torga
(3) Camões

( ) A clara voz ouvimos-te, a compor / toda a beleza ideal dos Cantos tersos, / com aspectos entre si assaz reversos. / Ardente e rico, o teu interior.
( ) Boitempos choram, uma viola chora, / e chora minha lira entristecida.
( ) Da terra a força é em ti um dom que cria / as linhas de um roteiro mais corretas. / Dessa terra nos passas a magia / que faz sempre maiores os poetas.
( ) Tanto ensinou que amar se aprende amando, / que além do humor, do corpo, além da rosa, / do ferro de Itabira foi paira

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) 3 – 1 – 2 – 1.
B) 3 – 3 – 2 – 1.
C) 3 – 2 – 1 – 3.
D) 2 – 1 – 2 – 3.
E) 2 – 3 – 1 – 1.
02. De acordo com a primeira estrofe do poema (versos 01-31), é correto afirmar que, na obra machadiana:

A) o uso frequente de reticências é uma importante peça comunicativa.
B) o riso é provocado por expressões pueris, as quais são bastante recorrentes.
C) o indianismo é evidenciado pelo relato dos hábitos de tribos indígenas brasileiras.
D) os silêncios se fazem notar nas significativas páginas em branco entre as partes dos romances.
E) a sociedade brasileira é retratada de modo idealizado, pois Machado esquiva-se de um relato mais realista
03. O verso “E fizeste surgir a dúvida no ar” (verso 44) traz à tona a temática da traição feminina, abordada num dos mais famosos romances de Machado de Assis e resumida no célebre questionamento: Capitu traiu ou não o seu marido, Bento Santiago?
Leia a afirmação a seguir e assinale a alternativa cujos termos, na ordem em que aparecem, substituem os números, completando corretamente as informações.

A temática da traição feminina foi ainda explorada por Machado num de seus mais famosos contos:
(1). Em Portugal, (2), festejado por críticos literários do mundo inteiro como o escritor mais representativo do Realismo luso no âmbito da prosa de ficção, trabalhou com a temática em questão, no romance (3).

A) “Miss Dollar”; Miguel Torga; Vindima.
B) “A cartomante”; Eça de Queirós; O primo Basílio.
C) “Flor anônima”; José Saramago; Memorial do convento.
D) “Pai contra mãe”; Camilo Castelo Branco; Amor de perdição.
E) “Cantiga de esponsais”; Alexandre Herculano; Eurico, o presbítero
04. Os excertos “De além dos vermes que roeram / as tuas frias carnes” (versos 14-15), “[Ensinaste-nos] Que
por batatas uns aos outros se consomem” (verso 27) e “dos olhos de ressaca em tua Capitu” (verso 37)
realizam intertextualidade, respectivamente, com os seguintes romances de Machado de Assis:

A) Memórias póstumas de Brás Cubas; Esaú e Jacó; Dom Casmurro.
B) Ressurreição; Dom Casmurro; Memórias póstumas de Brás Cubas.
C) Memórias póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; Dom Casmurro.
D) Quincas Borba; Dom Casmurro; Memórias póstumas de Brás Cubas.
E) Memórias póstumas de Brás Cubas; Memorial de Aires; Dom Casmurro
05. O discurso machadiano caracteriza-se, em boa medida, pela ambiguidade e pela utilização do humor e da
ironia: é o que nos diz o eu lírico do poema em “com a manipulação frequente de um falar / e dois entenderes” (versos 04-05) e em “Ora com humour, ora com ironia, / contra Leibniz puseste Schopenhauer” (versos 45-46).
Analise as afirmações acerca de outras características do discurso machadiano e, em seguida, assinale a alternativa correta.

I. O discurso machadiano caracteriza-se, também, pela frequente utilização de apóstrofes. Há apóstrofe
em “Musa consoladora, / É no teu seio amigo e sossegado / Que o poeta respira o suave sono” (“Musa Consolatrix”, Crisálidas, 1864) e em todas as vezes em que o narrador machadiano, ao longo de romances e de contos, dirige-se ao leitor.
II. O discurso machadiano caracteriza-se, também, pela utilização de outra figura de estilo: a gradação. Em
“Mas a infeliz vencida / A mágoa, a dor, o ódio, / Na face envilecida / Cuspiu-lhe” (“Epitáfio do México”,
Crisálidas, 1864), há gradação descendente.
III. O discurso machadiano caracteriza-se, também, pela utilização de zeugmas. Há zeugma em “Deus recebe em ouro, Satanás em papel” (Dom Casmurro, 1900) e em “Não era baile; apenas um sarau íntimo” (“Um homem célebre”, Várias histórias, 1896).

A) Apenas II é verdadeira.
B) Apenas III é verdadeira.
C) Apenas II e III são verdadeiras.
D) Apenas I e II são verdadeiras.
E) Apenas I e III são verdadeiras.
06. Com a expressão “grande naufrágio”, em “escuta-me com a alma que restou / do teu grande naufrágio”
(versos 18-19), o eu lírico do poema refere-se:

A) ao malogro do último romance de Machado de Assis, Memorial de Aires (1908), motivo de seu
afastamento da vida literária, pouco antes da sua morte.
B) à maneira como morreu Machado de Assis, no naufrágio do vapor Hermes, que ocorreu próximo à
cidade de Macaé (RJ), em 1908.
C) à condição espiritual de Machado de Assis após o falecimento de sua companheira, Carolina (1904),
com quem viveu 35 anos.
D) à morte de Machado de Assis, em 1908, de modo que a expressão “grande naufrágio” aparece no
poema como uma metáfora para morte.
E) à decadência moral de Machado de Assis ao fim de sua vida, resultado do seu contato com os vícios
sociais por ele denunciados ao longo de sua produção literária.
07. Assinale a alternativa cujo significado do vocábulo destacado na frase mantém-se igual ao significado do
mesmo vocábulo no poema.

A) “pungente” (verso 07) – O pungente sabor do tamarindo fez-me exceder na ingestão de açúcar.
B) “vão” (verso 13) – Entre a cômoda e a parede, havia um vão onde guardava o dinheiro.
C) “ressaca” (verso 37) – Os olhos de ressaca de Maria não lhe negavam a insônia.
D) “deletéria” (verso 50) – Embora deletéria a ambiência em que vivia, não se corrompeu.
E) “emplasto” (verso 56) – Não se pode contar com essa garota para nada: é um emplasto.
08. O eu lírico do poema refere-se a Machado de Assis como morto vivo. Assinale a alternativa na qual está
presente o excerto do poema que explica o porquê dessa alcunha.

A) “escuta-me com a alma que restou / do teu grande naufrágio” (versos 18-19).
B) “Aqui estou para dizer-te o quanto / ainda te ouvimos, lemos e te amamos” (versos 21-22).
C) “Sobressai-te um vigor: a sensual latência, / quase sempre consciente e deletéria, / qual sangue a
latejar por dentro de uma artéria” (versos 49-51).
D) “soubeste registrar o desconforto, / o descontentamento e a frustração / da nossa humana condição”
(versos 53-55).
E) “E aqui ficamos tristes e inquietos / com as mil formas de ser da humana Dor” (versos 58-59).
09. Acerca dos elementos constitutivos do verso “E o vulnerável, mestre, apanhas com mão fria” (verso 48),
analise as assertivas a seguir e coloque V ou F conforme sejam verdadeiras ou falsas.

( ) “mestre” exerce função de vocativo, assim como “Joaquim Maria” (verso 29).
( ) “apanhas” tem como sujeito “tu”, que remete a “Joaquim Maria” (verso 29).
( ) “E” exerce a mesma função que em “o desconforto, / o descontentamento e a frustração / da
nossa humana condição” (versos 53-55).
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.

A) V – F – V.
B) F – V – F.
C) F – F – V.
D) V – F – F.
E) V – V – F.
10. Cada alternativa a seguir apresenta um trecho da obra Memórias póstumas de Brás Cubas. Assinale a única em que o verbo “haver” mantém-se impessoal pelo mesmo motivo que em “Ensinaste-nos que há sempre / uma gota da baba de Caim, / tanto a vontade como a ação umedecendo / de indivíduos, de classes ou de tribos” (versos 23-26).

A) “Havia já dois anos que não nos víamos”.
B) “Verdade é que não houve cartas nem anúncios”.
C) “Já havia corrido a cidade toda, com umas saudades...”.
D) “O verdadeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira”.
E) “Ele, porém, houve-se com a maior delicadeza e habilidade, despedindo-se tão alegremente que me
animou a perguntar-lhe se deveras me não achava doudo”.
11. Cada alternativa a seguir apresenta um trecho de Memórias póstumas de Brás Cubas em que ocorre o uso
de “qual”. Assinale a única em que “qual” está empregado com a mesma função que assume em “Quantos, qual tu sem Deus, acham que a morte é o fim!” (verso 28).

A) “Qual deles: o hortelão ou o advogado?”.
B) “Cada qual prognosticava a meu respeito o que mais lhe quadrava ao sabor”.
C) “Minto: amanheceu morta; saiu da vida às escondidas, tal qual entrara”.
D) “Quem diria, há anos... Um homenzarrão! E bonito! Qual! Você não se lembra de mim”.
E) “Já prometeu a si mesmo escrever uma breve memória, na qual relate o achado do livro”.
12. Cada alternativa a seguir apresenta um trecho de Memórias póstumas de Brás Cubas em que há a presença do acento grave. Assinale a única em que o acento grave está empregado pela mesma razão por que foi usado em “desde o emplasto de Brás Cubas / à solda da opinião” (versos 56-57).

A) “Creio que prefere a anedota à reflexão”.
B) “Vejo-a assomar à porta da alcova, pálida, comovida”.
C) “Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira”.
D) “O que você quer é passar mansamente do sótão à sala de jantar”.
E) “Fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce ‘por pirraça’”.



O texto dos comentários tomou como referência as obras a seguir.
ASSIS, Machado de. Obras completas. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto. Literatura Brasileira. 10. ed. São Paulo: Ática, 1999.
_______. Gramática. São Paulo: Ática, 1998.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: dicionário da língua portuguesa. 3. ed.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
LINHARES FILHO, José. O poético como humanização em Miguel Torga. Fortaleza: Casa de José de
Alencar / UFC, 1997.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2005.
PÉREZ, Renard. Esboço biográfico: Machado de Assis e a sua circunstância. In: ASSIS, Machado de. Obras
completas. v. 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004, p. 67-92.

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